terça-feira, 19 de outubro de 2010

O mito de Sísifo (ou Orfeu e Eurídice)

É hora de fechar este blog: eu não sei mais escrever.

Ontem cheguei ao fundo do poço. No começo do dia encarei o abismo por longos minutos, decidindo se dava um passo à frente ou não, depois vaguei o dia todo a pé sem rumo, sem lugar para ir e sem praticamente falar com qualquer pessoa, só para terminar o dia muito cansado.

Na verdade, dizer que eu estava muito cansado é pouco. Em minha sala de trabalho há um gaveteiro móvel pequeno, de três gavetas; apaguei as luzes da sala e da frente dela, movi o gaveteiro alguns centímetros e deitei no chão, entre ele e a parede, pateticamente escondido do mundo. Oito de cada dez pensamentos meus eram realmente deprimentes e os outros dois não significavam nada. Dormi sentindo o frio do chão e balbuciando qualquer coisa, tendo comido durante o dia todo um cookie, um Polenguinho, um copo de suco de laranja, um café, uma esfirra, mais um café e duas bolachas.

E hoje às seis da manhã eu estava de pé de novo. Para quê?

Estou acabado, e acho que este blog deve também acabar: assim seja.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O náufrago

Trecho que encontrei num blog por aí:
"we are all alone, born alone, die alone, and — in spite of True Romance magazines — we shall all someday look back on our lives and see that, in spite of our company, we were alone the whole way. I do not say lonely — at least, not all the time — but essentially, and finally, alone. This is what makes your self-respect so important, and I don’t see how you can respect yourself if you must look in the hearts and minds of others for your happiness."
Tá bom, mas ninguém nasce sozinho: todo mundo que nasceu esteve até o instante do nascimento ligado por um cordão umbilical a outra pessoa. E ninguém vive sozinho: tente viver sozinho mesmo - sem ler ou ver ou usar algo que outra pessoa fez - e você vai ver o quão acompanhado estamos.

A solidão não é um fato por si só: somos ilhas, mas ao nosso redor há um oceano repleto de outras ilhas, e elas interagem umas com as outras, às vezes mais, às vezes menos.

Enfim, esse texto me capturou por eu ter passado o dia de hoje quase inteiramente sozinho, falando comigo mesmo e praticamente ninguém, tal como o personagem de Tom Hanks... 

That joke isn't funny anymore

Pelos últimos três dias tenho sido assombrado por uma música, que toca sem parar dentro de mim, imprecisa e incompleta como qualquer memória, mas mesmo assim insistente, permanente e pungente.

Fui ao YouTube descobrir que música era, e depois de um pouco de pesquisa, encontrei. Assim que a ouvi sofri um baque, com calafrios, dor no peito e tudo mais que deve acontecer quando se vê um fantasma. A letra, que eu não lembrava, que devo ter conhecido há muitos anos, fala quase que exatamente para mim... É fantástico como o cérebro tem capacidades imensas, em geral ignoradas ou adormecidas.

De qualquer modo, é o refrão que me assombra: "I've seen this happen in other people's lives, now it's happening in mine."

sábado, 9 de outubro de 2010

O turista acidental


Às vezes, quando eu não quero mais trabalhar, saio por aí, mesmo que seja sentado em frente ao computador. Às vezes, encontro gente e lugares interessantes, e às vezes não.

Mas foi assim que encontrei uma entrevista do cartunista Laerte em que ele aparece vestido de forma não convencional, lembrando muito a irmã dele(que eu acho que vi em algum documentário) e um personagem de seus quadrinhos (que eu acompanho regularmente há anos).

Me surpreendeu também o blog onde encontrei isso, não pelo blog, mas pelo perfil da autora, que tem Flickr, Orkut, Facebook, e sei lá o que mais (incluindo uma "curiosa" lista de desejos): não sei se eu me exporia desse jeito, ou o que isso quer dizer sobre a moça, mas vejo nisso um sinal desses nossos tempos - o mundo com pessoas de todo tipo (e de todo tipo de vestuário) está na ponta dos nossos dedos, pronto a alcançar nossos olhos.

(imagem: o título desta postagem tem a ver com o que eu escrevi e também com o nome de uma das personagens do filme de onde ele, título, saiu...)

Drive

Há uma música do grupo REM que eu queria colocar aqui, mas que o YouTube não permite incorporar facilmente. Fica o link, e um pedaço da letra (sem tradução):
"Hey kids, rock and roll
Nobody tells you where to go, baby

What if I ride? What if you walk?
What if you rock around the clock?
Tick-tock, tick-tock
What if you did? What if you walk?
What if you tried to get off, baby?

Hey kids, where are you?
Nobody tells you what to do, baby"
E essa postagem vai sem imagem nenhuma mesmo.

Publicar e perecer


A relatividade geral, teoria elaborada por Albert Einstein, está prestes a fazer cem anos. Quase cem anos, e eu ainda a estudo com admiração.

É bastante possível que em cinquenta anos eu esteja morto. E que daqui a cem anos estejam mortos os que tiveram lembranças de mim. Antes de tudo isso, porém, o mais provável é que tudo que eu escrevi - poemas, textos soltos, este blog, artigos científicos - já tenha sido esquecido e apagado.

Na academia, o lema é publicar ou perecer: e assim pilhas de palavras, gráficos e equações são produzidas apenas para aumentar a quantidade das coisas que irão, rapidamente, para o lixo da história, inflando por algum tempo o ego e a reputação local de alguns. Meus colegas cientistas contemporâneos são todos mais produtivos e de maior reputação científica que eu. No entanto, duvido que daqui a cem anos algo que algum deles - e que eu - tenha publicado até hoje venha a ser lembrado...

Pois é, não quero entender como tanta energia pode ser gasta em tanto trabalho vazio: acho mesmo que eu já deveria estar no lixo. Só que, enquanto isso não acontece, irracionalmente continuo produzindo textos vazios como estes.

(imagem: as árvores produzem folhas, elas caem ao solo e novas crescem para que a árvore sobreviva e cresça - será assim a ciência? O título desta postagem vem de um livro onde há um personagem que, à beira da morte, pensa: "This can't be happening to me. I've got tenure.")

sábado, 2 de outubro de 2010

Política


Amanhã é dia de eleição para presidente, senador, governador, deputado federal e deputado estadual.
Eu prefiro ciência, eu prefiro poesia, eu prefiro amor, mas não posso esquecer da política. Fui eleito um punhado de vezes, para um punhado de coisas: representante dos estudantes aqui, membro do centro acadêmico ali, representante dos docentes, vice-diretor - sempre eleito, nunca indicado.

É, eu prefiro ciência e poesia, mas não posso mesmo esquecer da política. É por meio da política que se pode ajudar a construir um mundo com mais ciência e poesia. Sem pão, até dá para escrever uns artigos, ter idéias, sonhar; mas é muito mais fácil fazer isso de barriga cheia. E é a política que direciona o caminho de uma sociedade, indicando quem, na sociedade, vai receber mais ou menos pão.

Eu sonho com uma sociedade em que o pão abunde, sobre, em que não sejam necessários milagres que transformem uns poucos pães em alimento para uma multidão, uma sociedade em que todos, conhecendo a ciência, não esperem milagres, mas em que as multidões leiam e façam ciência e poesia. Eu sonho, irrealmente, com uma sociedade cheia de pão, ciência e poesia.

É claro que a realidade não está nem aí para com os meus sonhos. Eu é que tenho que ver, na realidade, como fazer meus sonhos frutificarem, ou pelo menos como fazer algo que aproxime a realidade de meus ideais. E isso não é uma tarefa fácil: o mundo real, especialmente o da política, parece não ter nada de ciência e poesia.

Só que eu sei que há poesia em muitos lugares: por que ela não estaria na política também?

Dos candidatos que se apresentam a presidente, onde está a poesia, onde a chance de uma melhor distribuição de pão, onde o apoio à ciência? Para mim, a resposta é clara: eu voto no partido da borboleta, da estrela, do sonho que é possível.

Pois é, eu, amanhã, vou votar a favor de muita coisa, mas também contra outras coisas, contra o preconceito, contra a "tradição", contra o elitismo, contra o medo, contra quem quer "salvar o Brasil", contra modismos: eu quero mais é voar e permitir que todos, independente da instrução e da renda, voem também, em direção às estrelas e aos sonhos. Pão, paz e sonho para todos, se não hoje, ou amanhã, nalgum dia, a partir das sementes plantadas agora.

Eu não tenho mesmo medo de ser feliz, e queria que todos fossem...

(imagem: meu sangue é vermelho, como algumas regiões do céu, como algumas estrelas, e não azul, pois não há ninguém de sangue azul, tanto como não existem, na natureza, tucanos azuis; em política, tradicionalmente o vermelho é a cor da esquerda e o azul da direita, em ligação com a revolução francesa: havia quem defendia o povo, de sangue vermelho, e havia quem defendia a nobreza, o sangue azul - "Eu estou do lado do bem. E você de que lado está?")

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Vôo noturno


Passando a mão pelo cabelo dela, fechei os olhos e me vi folheando um livro grosso, de folhas finas e translúcidas de papel bíblia, todo escrito em letras pequenas, preto no branco, que tive dificuldade em entender.

Disse isso a ela, e tive uma resposta inesperada: "Você não tem uma caixa de lápis de cores ou um estojo de pincéis e tintas, mas uma caixa de palavras, que sabe usar para fazer desenhos interessantes!"

Fechei os olhos de novo e vi três sóis desenhados em estilo infantil, um abaixo do outro, numa folha de papel sulfite branco e, em seguida, um quadro noturno desenhado em aquarela, com apenas duas cores fortes, um céu azul escuro encobrindo uma árvore com um balanço, ambos em preto, sem nuances ou detalhes, mas onde se via uma criança.

Me senti calmo como nunca e dormi logo, sem sonhos, embalado por imagens, palavras e o calor da presença dela.

(imagem: meu sonho de consumo quando criança; o título desta postagem vem de eum livro de Antoine de Saint-Exupéry, mais conhecido pelo livro "O Pequeno Príncipe", que tem aquarelas maravilhosas...)

O mundo como vontade e representação


As palavras, me lembra um amigo filósofo, são algo além delas mesmas. Quando eu, alfabetizado, leio num texto a palavra "maçã", eu vejo algo que não está lá de fato, um objeto, uma fruta, que não precisa ser igual a nenhuma fruta que exista no mundo real.

Em outras palavras, as palavras são signos que servem para representar coisas maiores que elas, as palavras. Seria o mundo, também ele, um texto, com suas palavras sendo signos que representam coisas?

Quando eu vejo uma maçã, eu estou vendo uma maçã ou apenas lendo no texto do mundo a "palavra" maçã, uma representação de algo maior que o que eu vejo? Será que o meu cérebro foi alfabetizado para ler o mundo do jeito que nós homens o lemos? E se, sendo assim, eu me deparar com outros signos que não fazem parte do alfabeto que eu conheço?

O mundo como representação: a idéia não é minha, nem é nova. O que é meu é a minha vontade de entender as coisas e navegar na realidade além da realidade...

(imagem: uma representação de Schopenhauer, filósofo que escreveu o livro de onde saiu o título desta postagem; eu sei, eu deveria era citar outro filósofo, o fundador da semiótica, mas eu gosto do título do Schopenhauer...)

O homem e seus símbolos


Existem palavras e existem coisas. E as palavras, pelo menos como eu as sinto, podem ser vistas como coisas que usamos para descrever coisas que, às vezes, nem existem mesmo, a não ser como palavras ou como idéias...

Por favor, me desculpem se nada do que eu escrever aqui hoje fizer sentido. Em certos dias eu acordo confuso, e hoje é um dia desses. Acordei com várias palavras na cabeça e, só para exemplificar minha incoerência mental, cito duas delas que vieram à superfície dos meus pensamentos sem o menor motivo: atemóia e Würzburg. Eu sei mais ou menos o que é uma atemóia - algo parecido com uma pinha - e sei também que Würzburg é uma cidade alemã. O que eu não atino é a razão dessas duas palavras me aparecerem assim, de sopetão.

Usando um bocadinho de imaginação, talvez eu até pudesse escrever um ensaio intitulado "A atemóia de Würzburg", aproveitando essa súbita "inspiração". E nesse ensaio eu poderia escrever que em Würzburg há uma residência do principado - um palácio - que foi considerada pela Unesco algo como um dos patrimônios históricos do mundo, lugar onde há uma pintura de um artista barroco - Tiepolo - mostrando o imperador Frederico I (também conhecido como Barbarossa), do Sacro Império Romano, se casando com uma tal de Beatriz de Borgonha, em algum ponto da idade média. Eu poderia falar da atemóia como sendo uma fruta algo barroca, feita do casamento improvável de uma pinha com "uma fruta andina chamada cherimóia" (isso gerou "uma fruta saborosa e doce como a pinha sem alguns de seus inconvenientes: pouca resistência a pragas, baixa durabilidade e muitas sementes"). E daí eu aproveitaria para fazer algum paralelo, entre casamentos e seus frutos, mas isso não responderia à minha pergunta: de onde, dentro de mim, saíram essas palavras?

Não sei. Talvez o caminho seja outro. Eis outras informações que a internet me oferece: uma atemóia é uma fruta que "possui aspecto rústico devido à casca rugosa e pontiaguda, semelhante à da graviola", mas que tem em seu interior "polpa branca e macia". Já sobre a tal da Beatriz de Borgonha  pode-se ler, na wikipedia em inglês, que
"Beatrice was active at the Hohenstaufen court, encouraging literary works and chivalric ideals. She accompanied her husband on his travels and campaigns across his kingdom, and Frederick Barbarossa was known to be under Beatrice's influence."
[Beatriz era ativa na corte de Hohenstaufen, encorajando trabalhos literários e ideais de cavalaria. Ela acompanhou seu marido em suas viagens e campanhas pelo reino, e Barbarossa estava sob sua influência.]
Há também o seguinte poema sobre ela:
Venus did not have this virgin's beauty,
Minerva did not have her brilliant mind
And Juno did not have her wealth.
There never was another except God's mother Mary
And Beatrice is so happy she excels her."
[Vênus não tinha tal beleza virginal,
Minerva não tinha sua mente brilhante
E Juno não tinha sua saúde.
Nunca houve outra assim, exceto Maria, mãe de Deus
E Beatriz é tão feliz que a ultrapassa.]
Bem, talvez inconscientemente, eu tenha visto em algum lugar - onde? - algo sobre Würzburg, e por um instante tenha sentido o desejo de ser imperador do Sacro Império Romano, para me casar com alguém como a rainha Beatriz, mesmo que essa pessoa, por fora, não indique o sabor, a doçura e a polpa branca, e seja improvável e incomum como uma atemóia.

Ou talvez nada disso faça sentido: as palavras "atemóia" e "Würzburg" talvez sejam para mim símbolos de outras coisas que não têm nada a ver com a fruta atemóia e a cidade de Würzburg (símbolos de quê?).

Pois é: a alma tem caminhos que a razão desconhece, e eu, confuso, não conheço a minha, nem os meus caminhos... Por isso escrevo: talvez assim, no meio de um milhão de palavras, eu me desvende e veja a realidade.

(imagem: o quadro de Tiepolo; o título desta postagem vem de uma obra de Jung)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Desvendando o nosso lar


É, eu fui assistir "Nosso Lar". Fiquei sabendo depois que minha mãe adorou. Como eu não sou minha mãe, minha opinião é diferente, bem diferente.

Como cinema, o filme é fraco. Boa fotografia, boa produção, bons efeitos, música legal - e um ritmo modorrento. Ideologia religiosa empurrada com imagens bonitinhas - e só. Aliás, tudo muito bonitinho, especialmente o uso de Beethoven.

Como não sou adepto do espiritismo, assumo que as idéias presentes em "Nosso Lar" saíram da cabeça do sujeito que escreveu o livro (que, aliás, eu li). "Magnetismo" movendo "aerobuses" (será assim o plural da palavra?), montanhas espirituais acima da Terra, ministérios múltiplos, tudo me parece só uma visão utópica ingênua, ingênua... Faltou mostrar no filme o ensino de esperanto, que até onde me lembro era praticado em Nosso Lar, e não serve para nada na Terra.

Supondo que Chico Xavier inventou tudo, de onde ele tirou as idéias? Talvez de uma mistura de cristianismo com ficção científica do século XIX e começo do século XX. Talvez de uma alma romântica e sonhadora, que precisava acreditar num futuro melhor. Talvez de um espírito que o guiava. Sei lá. Só sei que nesse idealismo todo há a necessidade de muros, casas e famílias, o que, para mim, é triste. Se é para ser espírito desencarnado, eu iria tentar ter a liberdade dos lírios do campo, que não tecem nem fiam... E não é preguiça, não. São Francisco de Assis viveu, em carne e osso, sem nada, ou com muito pouco: por que eu, sabendo-me espírito, não iria tentar o mesmo?

E além da falta de desapego às estruturas terrenas, o que mais me incomoda na utopia de Chico Xavier é a falta de estudos: no filme, ninguém aparece estudando nada, a não ser histórias e dramas familiares. O próprio André Luiz é encorajado a estudar na prática, e alguém lhe diz, num arroubo antintelectual, que diplomas - da Terra - não valem nada.

Mas é assim mesmo o espiritismo. Os textos, em geral, não têm uma única expressão matemática. Ciência exata, nada; toda a preocupação é, no máximo, com a medicina. Os espíritos livres do corpo e ninguém se põe a pensar em álgebras e equações, ou na estrutura da natureza do mundo espiritual. Só tagarelices de psicólogos de botequim, ou floreios de filosofias de auto-ajuda, ou poemas e romances...

Talvez seja fácil entender o porque do protagonista ser um médico: na ânsia de apresentar uma visão científica, Chico Xavier escolheu alguém que representasse a única ciência que ele, homem simples do interior do Brasil, devia conhecer ou respeitar - a medicina. Pena: ciência é mais que isso, muito mais, e um cientista de ciência básica teria muito mais a dizer que um médico. Mas Chico Xavier provavelmente pouco sabia de ciência de verdade.  Os espíritas, e sua literatura, em geral, pouco sabem de ciência (é, eu li quase toda a coleção de André Luiz, e muito Kardec, Chico e Divaldo e Zíbia e outras tantas obras do panteão espírita).

A literatura espírita está cheia de jargões pseudocientíficos: fluidos, energias, vibrações, magnetismos, dimensões... Nada além de palavras vazias, que revelam o desconhecimento. Ou o desejo de usar uma roupa mais bonita.

Enfim, eu gosto - gosto mesmo - da idéia de que a vida continua após a morte (de que há uma lei de conservação da consciência, por exemplo), mas ainda não vi quem a apresentasse de forma consistente, em coerência com a ciência contemporânea. O que eu vi, nesse "Nosso Lar" inclusive, foi um festival de doutrinação cristã, com farta distribuição de produtos adocicados e coloridos que agradam pessoas cheias de desejos e esperanças, mas que não sobrevivem a uma análise madura (de que material é feito o mundo espiritual? átomos? campos? matéria escura? neutrinos? WIMPs? não dá para dar nenhuma dica? não tem nenhum relato feito por espíritos que estudam isso?).

Pena.

(imagem: o título desta postagem vem de um livro que vi exposto numa livraria para aproveitar o sucesso do filme; a imagem é de um selo comemorativo dos Correios, com Chico Xavier - ele tinha problemas de visão?)

Nova gramática do português contemporâneo


O mundo é um texto, feito de letras que formam palavras, e palavras que se juntam em frases. Eu, você, o ar entre nós, os átomos de nós todos e de cada coisa, e até mesmo os componentes desses átomos, tudo são letras que se uniram numa narrativa enorme e complicada, que é escrita continuamente, em cada instante.

Todo texto tem um suporte: papel, a tela de um computador, a pele seca de um animal. E entre as letras de um texto há uma ordem, e espaços, pausas. Com o mundo não é diferente.

Pois é isso que eu queria: tocar, no mundo, o que não é palpável, agindo como quem molda nuvens, agindo no espaço que dá suporte ao real, no espaço entre as letras que compõem o texto do mundo, compondo de lá uma canção feita de silêncio e pausas, e que assim mesmo seja impossível de se ignorar.

Eu queria escrever nas entrelinhas, e sem dizer uma palavra diretamente, ser perfeitamente entendido.

Eu queria ser isso, sutil, imaterial e penetrante como a beleza que vejo na moça que eu amo, indescritível como o amor que eu sinto: não uma palavra, mas a ação por detrás e dentro dos verbos.

Eu queria que ela me entendesse assim.

(imagem: Mário de Andrade, um sujeito que escreveu "Amar, verbo intransitivo" que, se não é um bom livro, pelo menos tem um bom título, que parece que não era o original - “O livro se chamava Fräulein de primeiro; mudei o título por causa de errarem a palavra na pronúncia”)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O nascimento de uma nação


Eu tenho uma amiga que está acompanhando uma disciplina de um curso de cinema, sobre a construção de imagens. Ela já viu um bocado de coisas, desde o cinema alemão clássico até o início de Hollywood, e de vez em quando nós conversamos sobre algumas das coisas que ela viu.

Pois eu também tenho dois olhos e por meio deles o mundo me apresenta uma infinidade de imagens...Não é algo como uma escola de cinema, algo que eu nunca frequentei, mas acho que também dá para se divertir e talvez até aprender algo.

Enfim, imagens: é isso que transborda de "A origem", filme com Leonardo DiCaprio, que envolve uma trama complicada e camadas sobre camadas de imagens. Há um virtuosismo nos efeitos visuais do filme que impressiona quando misturado com as sutilezas do enredo, mas no fundo, debaixo disso tudo, a idéia central do filme é brincar com a mesma questão que se brincava em "Matrix": o que é a realidade? Ou seja, "A origem" é um sub-"Matrix", com desnecessárias perseguições, lutas em paredes e tiroteios, tão típicos do cinemão americano.

Só para comparar, há mais de um episódio de "Jornada nas estrelas: a nova geração" em que um dos personagens entra no mundo onírico (ou subconsciente) de outro, e nesses casos os roteiristas, provavelmente por restrições orçamentárias, não usaram perseguições e edições espertas, mas imagens simbólicas mais simples e nem por isso tão menos eficientes. E há, é claro, "O conto do sábio chinês", de Raul Seixas, direto lá do começo dos anos 80...





Imagens de uma coisa para se mostrar outra é o que há em "Distrito 9", um filme de ficção científica que é uma alegoria:
"Uma alegoria (do grego αλλος, allos, "outro", e αγορευειν, agoreuein, "falar em público") é uma figura de linguagem, mais especificamente de uso retórico (vide: retórica), que produz a virtualização do significado, ou seja, sua expressão transmite um ou mais sentidos que o da simples compreensão ao literal. Diz b para significar a. Uma alegoria não precisa ser expressa no texto escrito: pode dirigir-se aos olhos e, com freqüência, encontra-se na pintura, escultura ou noutras formas de linguagem."
Do que fala "Distrito 9"? Não precisa muita genialidade para se perceber que um filme cuja história se passa na África do Sul, mostrando uma favela para refugiados alienígenas não é exatamente um filme de ficção científica. De qualquer forma, eu gostei bem mais de "Alien Nation", com James Caan (em português, "Missão Alien"), que era menos pretensioso e com menos (bem menos) recursos visuais. Na minha modesta opinião, "Distrito 9" é fraquinho, passável mas fraquinho.

Imagens inúteis, sem rumo, é o que se vê em "O dia final", péssimo filme de ficção científica e terror, que é uma refilmagem de um filme inglês da década de 60 ("The day of the triffids", no original). O criativo roteiro desse filme resume-se a uma história passada num futuro não muito distante, em que há plantas carnívoras que andam, criadas e mantidas em cativeiro pelos seres humanos, e que se libertam para destruir a humanidade, logo depois de uma tempestade solar que cega a maior parte das pessoas. Eu não consegui ver nem metade, mas na parte inicial pensei que se tratava de um sub-"Ensaio sobre a cegueira". Que nada! Era mesmo só mais um filme B do século XXI, isto é, um filme B sem a criatividade ou o charme dos filmes B originais.

Por fim, imagens algo kitsch e ensossas é o que se encontra em "Engel e Joe", filme alemão de adolescentes, feito em 2001 provavelmente para adolescentes, e aparentemente escrito pelo mesmo roteirista de "Christiane F.", filme polêmico da década de 80. É uma historinha de amor, "inha" mesmo, que me lembrou um pouco "Kids", de 1995, sem a AIDS. Numa citação do imdb:
"Kids is basically a movie that warns you what the hell could be happening to your very own child."
Tá bom, um pouco interessante, mas... Depois de ver esse filme, eu recomendo a leitura de "O senhor das moscas", e como história de amor entre adolescentes, "Romeu e Julieta": certamente dá para aproveitar mais.

Para terminar, acho que hoje, no seu curso de cinema, minha amiga vai assistir "O nascimento de uma nação", de D. W. Griffith, de 1915, um clássico do cinema que fala da Guerra Civil americana, enquanto eu, bem, eu devo assistir "Nosso lar", um clássico da literatura espírita, de 1944, que eu vejo como uma obra de ficção científica. Se isso quer dizer algo, deve ser sobre a imagem que projetamos no mundo...








(imagem: definição de imagem numa imagem da wikipedia...)

sábado, 28 de agosto de 2010

Tinha que ser você


Vi hoje na TV, enquanto cuidava de meus filhos, um filme simples - "bonitinho" acho que é um termo apropriado - que me tocou por uma ou duas razões. Primeiro, eu estou pensando em viajar para Londres; segundo, eu gosto de Emma Thompson...

O filme era "Last Chance Harvey", e nele se conta o início de um romance entre dois "perdidos". Os diálogos entre eles são bem escritos, e neles aparece a seguinte fala, feita pela personagem de Emma Thompson, chorando à beira do Tâmisa:
"I think I'm more comfortable with being disappointed. I think I'm angry at you for trying to take that away."
[Eu acho que me sinto mais confortável estando decepcionada. Acho que estou com raiva de você por tentar tirar isso de mim.]
Concordo: é mais fácil viver não esperando nada dos outros. É mais fácil viver achando que o universo não tem nada de bom a oferecer; é mais seguro. Mas eu não quero viver na zona de segurança para sempre. As pedras é que são confortavelmente estáveis por muito tempo e eu, por outro lado, quero ser nuvem, e cruzar os céus sem rumo, nem que seja por um breve momento...

(imagem: Romeu e Julieta, em pintura do século XIX; contra esse tipo de amor e romantismo, eis outra fala do filme, bem feminina: "I'm not gonna do it, because it'll hurt! Sometime or other there'll be, you know "It's not working." or "I need my space." or whatever it is and it will end and it will hurt, and I won't do it." [Eu não vou entrar nisso, porque vai doer! Uma hora ou outra vai ser, você sabe "Não está funcionando." ou "Eu preciso do meu espaço." ou seja o que for e isso vai acabar e vai doer, e eu não vou entrar nisso.])

domingo, 8 de agosto de 2010

Em terra de cegos


Foi por meio de um site chamado "Trabalho Sujo" que encontrei "A experiência religiosa de Philip K. Dick", escrita por Robert Crumb, onde pude ler, lá na oitava página:
"Não há nada pior no mundo, nenhum castigo maior do que conhecer Deus e deixar de conhecê-lo..."
Tendo a concordar: tendo visto Deus recentemente, morro de medo de perdê-lo de vista. No entanto, também é bastante ruim ouvir todo dia outras pessoas dizendo que o que eu vi - e vejo - é uma ilusão: minha vontade, hoje, é não ouvi-las mais, nem que para isso eu tenha que morrer.

(imagem: "A garota cega", de John Everett Millais, século XIX, lembrando que cegos não podem ver um arco-íris, e eu já vi dois ao mesmo tempo... O título desta postagem vem de um conto magnífico de H. G. Wells.)